Não sei bem porquê... talvez até saiba, até saiba muito bem porquê! Aí vai... outra vez...
Mãe...
Essas rugas que agora vejo com mais atenção... têm tanto que contar...
Cada uma delas descreve-me a mim, cada uma delas dedicou-se a mim... sou feito delas, das tuas rugas. Cada socalco no teu rosto, por mais fino que seja, conta uma passagem da minha vida... não quero esquecê-lo, não quero esquecer-me do teu rosto... Será que haverá um dia, depois de partires, que não conseguirei lembrar-me dele? Não quero... não posso, não quero...
Esse cabelo, antigo do tempo, prateado com os anos... Olho para ele e recordo-me, de tempos, de momentos... tempos são momentos, não são? Tempos em que as rugas não existiam, o cabelo não era assim, os meus olhos não eram assim... mas agora queria olhá-la com os olhos antigos, queria vê-la em todos os momentos, derramando o seu amor por mim... queria vê-la... vê-la até mais não poder... O presente é uma dádiva? Pode, sim, pode ser... mas o passado, ah o passado... que ternura nos traz... Um novo dia? É um dia a mais na tua idade, um dia a mais no agora que se transforma em futuro, um futuro anunciado, aquele futuro que eu não queria viver, aquela contagem decrescente que não queria fazer...
Quero recordar-me sempre do teu rosto, do teu olhar, do teu carinho embevecido, do teu orgulho dissimulado, quando me olhas... quero recordar-me sempre.
Quero decorá-lo, quero decorar o teu rosto... decorar as tuas expressões, lembrar-me das tuas expressões naquele futuro desolador, naquele futuro sem ti. Necessito encontrar um sentido para a tua ausência... lidarei melhor com ela? Talvez...
Olha bem para ela, penso... Olha de perto, olha até te conseguires ver nos olhos dela. Os olhos, os olhares, denunciam a melhor parte do que somos. É pelos olhos que mostramos o quão felizes ou tristes estamos. É pelos olhos que choramos... é pelos olhos que, também, sorrimos.
Mostra-lhe... diz a vozinha na minha cabeça... Mostra-lhe o teu sorriso de amor, mostra-lhe o teu amor... mostra-lhe tudo o que os teus olhos lhe querem dizer... tudo o que o teu sorriso embargado quer transmitir... o sorriso dos olhos pode ter mais valor do que o sorriso da boca...
Como irei sentir falta de mais um olhar, de apenas mais um olhar... um último olhar...
Se esta folha fosse um quadro, devia terminar com uma assinatura... esta lágrima, enrugando a folha e borrando as últimas palavras... não vejo melhor assinatura...
Sérgio Sola - "Mãe"