terça-feira, 31 de maio de 2016

CONTOS DA BEIRA DO RIO AMAZONAS


CONTOS DA NECA MACHADO >Neca Machado
MITOLOGIA DA AMAZONIA
CONTOS DA BEIRA DE RIO
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Neca Machado CONTOS DA BEIRA DO RIO AMAZONAS
CABEÇA DE NEGRO

A labuta dos moradores do bairro do Laguinho no extremo norte do Brasil na cidade de Macapá era uma constante na década de setenta.
“Moleque que tinha vergonha” diziam os mais velhos: trabalhava desde cedo.

Os Pais do bairro moreno da cidade como era chamado pelo número crescente de moradores afros descendente, não poupavam suas vadiagens.

De manhã tinham que ir para o antigo Ginásio de Macapá (GM), uns moleques iam à tarde para a Bandinha de Música do famoso Mestre Oscar Santos, outros iam para aprender o oficio da mecânica na Garagem do Governo, e outros ganhavam alguns trocados na antiga Olaria, aprendendo a confecção de tijolos, telhas e materiais de argila.

Ao cair da tarde não dispensavam uma peladas de futebol no Campo do Laguinho, na Beira da Praia do Igarapé das Mulheres, no Igarapé do Tchum, no Campo do América na frente da Igreja de São Benedito, perto da Sede do Pedro Dalino, ou no Campo de peladas do Kouro.

Moradora antiga me confidenciou uma estória que só de lembrar deu boas risadas voltando no tempo através da memória e ainda lucida.

“Era uma vez...Em uma tarde depois dos afazeres, vários moleques saíram para a pelada de bola usual, bate bola daqui, bola dali, chute para o gol, trave de pano, goleiro frangueiro, moleque arteiro, e uns mais gaiatos que iam só para se divertir fazendo piada de quem aparecesse.

Determinada hora, um dos garotos chutou a bola para o matagal que circundava o Campo de futebol: o Zagueiro larga a área e se dirige para o mato em busca da bola, o jogo estava com o placar de 3X0, as horas da tarde findando e chegava devagar a escuridão da noite com os belos raios de cor de fogo do entardecer, e com ela o medo.

O pé de Muricizeiro doce, carregado de frutos dourados, fez com que os moleques esquecessem a bola de futebol e parassem para catar alguns frutos que se debruçavam sobre o chão como um tapete singular, e pensavam no sabor exótico caído naquele instante com um forte cheiro de frutos maduros que embriagavam, e um deles pegou a bola com mão direita, seus lábios ainda salivavam pelo Murici silvestre e disse naturalmente: lá vai: naquele momento qual foi o espanto geral; 
O time formado de jogadores simplórios com meias surradas de lã barata, chulipa apertada e a torcida sobre as arquibancadas de madeiras improvisadas esperando o gol e a cena foi estarrecedora:

A turma de Moleques se deparou com uma verdadeira CABEÇA DE NEGRO que rolava pelo chão com um sorriso diabólico, enigmático e assustador.
A plateia sumiu da arquibancada improvisada.

Rostos pálidos como velas brancas, pés quebrados na repentina corrida pela salvação, arranhões nas costelas, estrepes e espinhos pelos dedos dos pés descalços, desmintidura nas mãos, joelhos torcidos, enfim, todos moquiados e o fantasma da cabeça de negro com seu sorriso diabólico correndo atrás de pessoas desesperadas.

Pioneiros diziam que as horas santas eram sagradas e que seis horas é uma hora de reverencia santa. E por isso merece ser respeitada.
Nunca mais os Moleques quiseram passar com o jogo de futebol das seis horas com medo de outra estória similar.